
Diálogos inéditos entre operadores do sistema elétrico revelam o
despreparo das subestações e dos centros de controle para enfrentar
interrupções no fornecimento. Elas mostram o "sufoco" dos técnicos
durante o apagão de fevereiro do ano passado, que deixou oito Estados do
Nordeste sem luz por horas.
Foto: Tuno Vieira
O problema atingiu 13,5 milhões de pessoas de vários estados, entre eles o Ceará, em alguns deles por mais de três horas. A falta de energia foi causada por uma queda na linha de transmissão entre as cidades de Sobradinho (BA) e Petrolândia (PE). O problema afetou a subestação da Usina Hidrelétrica Luiz Gonzaga (PE). As usinas de Xingó e Paulo Afonso, na Bahia, também foram afetadas.
Na época, o governo Dilma Rousseff atribuiu o apagão a um defeito
ocorrido em uma placa eletrônica. As transcrições constam dos relatórios
da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e do Operador Nacional
do Sistema (ONS), obtidos pelo jornal O Estado de S.Paulo por meio da
Lei de Acesso à Informação e publicados.
Em outubro deste ano, um novo apagão atingiu todas as cidades do
Ceará, juntamente com os demais estados do Nordeste, além de parte da
região Norte.
Despreparo
Nos minutos seguintes ao blecaute, os técnicos batiam cabeça. Faltou
energia para abrir um portão e assim conseguir religar alguns
equipamentos. Foi preciso quebrar a fechadura, atrasando a solução.
A subestação desconhecia como proceder e foi preciso ir atrás do
manual de instruções em cima da hora. "É porque a gente tem que pegar o
guia aqui porque não tem como acessar, aí estamos pegando o guia do
normativo aqui e vamos fazer com ele", completa.
Quando o abastecimento de todo o Nordeste dependia apenas da abertura
de uma chave, como previa o guia de operações, os técnicos envolvidos
discutiam se, em vez de abrir como previa o rito normal, não era melhor
fechar essa mesma chave. "Tá dependendo tudo, tem risco até de inundação
na usina IV, tem que fechar", respondeu o Centro de Operações.
Funciona não?
Duas horas depois de iniciado o apagão, o Centro Regional de
Operações (Crop) da Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf)
questionou o técnico da subestação de Sobradinho se lá havia um
equipamento chamado mesa de sincronismo. "Funciona não... Vou chamar um
rapaz para ver se liga ela, muitos anos sem ligar, viu, chamo você
depois", foi a resposta.
O relatório da Aneel lista as irregularidades. Além do portão
travado, aparelhos fora de operação, disjuntores fechados, discrepâncias
no sistema de supervisão e controle e dificuldade de acesso aos
procedimentos operacionais para a recomposição da instalação.
A placa que apresentou defeito dando origem ao apagão deveria ter
sido substituída quatro anos antes, informam os relatórios. Responsável
pela fiscalização das concessionárias, a Aneel não verificou se o
equipamento fora efetivamente trocado. Tampouco sabia que duas usinas
não tinham a máquina para religamento automático, para casos como
aquele. Ao final, coube à agência reguladora pôr no papel o relato de
uma sucessão de problemas facilmente evitáveis. Os erros renderam à
Chesf uma multa de R$ 32 milhões.
Proteção
Segundo os documentos liberados pela Aneel, a "perturbação" no
Sistema Interligado Nacional começou às 0h08 do dia 4 de fevereiro de
2011, quando o sistema de proteção desligou automaticamente a linha de
transmissão (LT) entre as subestações de Luiz Gonzaga e Sobradinho. O
caso teria se encerrado aí, "caso a falha descrita não fosse acompanhada
de procedimentos inadequados de operação das equipes de tempo real da
Chesf."
Mesmo depois de tomar as medidas necessárias e religar a linha de
transmissão, a energia não voltou. Segundo a Aneel, as equipes
"disponibilizaram a LT 500 kV Luiz Gonzaga-Sobradinho, sem no entanto
retirar o bloqueio da linha, impossibilitando a reintegração da linha à
operação, atrasando o restabelecimento do sistema".
Fonte: Diário do Nordeste.
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