O agricultor Francisco Duarte perdeu a visão, mas não a coragem e leva vida normal na zona rural de AssaréFrancisco Duarte começa sua rotina às 3 da manhã e faz todas as atividades normalmente. Uma de suas paixões é a pecuária fotos: elizângela santos
Assaré. As atividades diárias preenchem um espaço que antes eram bem mais simples. Hoje, fazem parte de uma trajetória de superação. O agricultor Francisco Duarte Pinheiro começou a trabalhar cedo. Ainda era uma criança. A deficiência visual também se apresentou nos primeiros anos de vida, mas o trabalho sempre foi fundamental para a sobrevivência. Hoje, ele é um exemplo de que, mesmo com o quadro de seca que se apresenta no sertão, mantém um rebanho sadio e bem nutrido, à custa de um trabalho diário.
No terreiro de casa, ele reconhece o sinal de cada passo, o barulho do chocalho das vacas no curral próximo à sua residência. O dia começa bem cedo, perto das 3 horas. Momento de tirar o leite. Aos 62 anos, sem os dois olhos, ele afirma ser um meio homem depois que perdeu a visão total. Mas a coragem, não quer perder jamais.
Criou os cinco filhos com muito trabalho. O único que mora perto de casa, a 15 quilômetros, na cidade de Assaré, o comerciante Cícero Duarte Pinheiro, diz que a última palavra para decidir algo em sua casa, sempre parte do seu pai. E Francisco Duarte busca a perfeição no trabalho que desenvolve.
Mas, para chegar a esse resultado, foram anos de exercício, principalmente depois que perdeu a oportunidade de, pelo menos, enxergar a sombra do sol e da lua. A primeira visão perdeu cedo, e a segunda, com alguns anos. Um acidente com o irmão, que sem querer fez com que um laço de animal atingisse o olho de Francisco.
Saúde
Alguns anos depois, com mais de 20 anos, o agricultor teve que retirar o olho infeccionado. "Uma dor incomparável. Um momento da minha vida de muito sofrimento", diz ele.
A sua esposa, Maria de Fátima Freire Pinheiro, diz que esse momento de superação fez com que visse em seu marido a esperança de conquista, que vem através de um exercício diário. "Ele saía esbarrando nas coisas dentro de casa, mas nunca parou", afirma, ressaltando a força e a capacidade do marido, que nunca desistiu.
Hoje, seu Francisco dorme pouco. Ele diz que o que o fazia repousar com maior tranquilidade era poder ver o claro do dia e depois fechar os olhos. "Hoje, são fechados para sempre", diz.
Para o agricultor, o sono agora é leve. Quando muito, Francisco Duarte consegue dormir pelo menos por uma hora, e o restante da noite fica em estado de alerta.
Os gritos pelos nomes das vacas apelidadas por rainha, cara preta, amorosa, pontuda, princesa ecoam na mata da Serra dos Barbosa. Cada uma delas sai de dentro do mato, em busca do espaço garantido pelo dono.
Os bezerros olham para seu Francisco, esperando a ração do fim de tarde. Poucos moradores das redondezas possuem animais tão nutridos. O carinho e a dedicação fazem com que ele se desdobre durante o dia inteiro, dedicado aos animais a quem tanto se apegou. Parar, jamais. Essa é uma palavra que não cabe no vocabulário do agricultor.
E não tem tempo para tédio na vida de Francisco Duarte. Sempre tem muito trabalho. De manhã, vai buscar água para os animais, prepara a ração, leva o gado para o pasto. "Não tenho tempo para me encostar. Quem não nasceu para ter coragem, morre enferrujado", afirma. Os passos são rápidos. No fim da tarde, ele sai com o seu jumentinho pela mata e um facão, em busca de pasto para os animais.
As mãos são certeiras no triturar dos galhos espinhosos. Os pedaços são pequenos, para levar a alimentação dos animais ao curral.
Seca
Ano passado, com a seca do sertão, dona Fátima disse que foi necessário fazer empréstimos, tanto do salário dela como também de seu Francisco, para efetuar a compra da ração para o gado. O pasto ralo não dava para manter o rebanho. Mas, nesse ano, com a estiagem prometendo uma seca pior que a do ano anterior, poderá obrigar a venda da maior parte dos animais.
Com o leite das crias, ordenhado por Francisco, ela prepara o queijo caseiro. Um admirador, que sai de mãos dadas com ele para o pasto, o neto Mateus Duarte, segue o avô na jornada, quando está sem aulas.
O olhar de admiração e o aprendizado diário demonstram a conquista de uma nova vida que não faz esmorecer os que seguem o exemplo do agricultor. O filho Cícero admite que, nas vezes em que quis desistir de algo, lembrou do seu pai, que mesmo sem a visão nos dois olhos, vítima na infância de um glaucoma congênito, superou as dificuldades e partiu para novas conquistas.
Dor
O agricultor lembra do momento em que sentiu uma dor muito profunda. Ele diz que o seu olho explodiu. Mais dois irmãos do agricultor também têm problemas relacionados à cegueira. Mas, Francisco Duarte descobriu na pecuária a sua razão de viver e fazer bem aos animais. "Se ele pudesse, seria um veterinário", afirma o filho Cícero. Isso, diante dos momentos em que teve que fazer o parto das vacas que tinham de parir.
Essa fama também se espalhou pela vizinhança. Quando a dificuldade se apresenta, como diz o filho Cícero, ele é chamado para resolver, muitas vezes, situações em que os próprios veterinários sentiram complicações. Francisco segue a sua jornada. Um prazer e também uma razão de viver.
Exemplo de três irmãs inspira vídeoMaria, Rita e Júlia Ferreira são deficientes visuais e moram juntas. O cotidiano das três, que se inicia às 3h da madrugada, motivou um vídeo, produzido pelo sobrinho Diogo Brasil, em parceria com o projeto Verde Vida
Assaré Três da manhã. É a hora de três mulheres com deficiência visual despertarem para um novo dia. Exemplos de superação. A história de vida deu nome ao vídeo produzido pelo sobrinho das irmãs, Diogo Brasil, do projeto Verde Vida, organização não governamental, no distrito de Dom Quintino, em Crato. Ele decidiu embarcar no projeto da entidade, para mostrar a rotina de suas tias na tela. A produção foi em 2008, por meio do Ações Culturais para os Povos Rurais, com apoio da Petrobras e do Criança Esperança. A tentativa era expor o dia a dia das três irmãs.
Maria, Rita e Julia Ferreira de Sousa. Irmãs marcadas pelo destino. Todas têm deficiência visual e convivem normalmente em casa, com os afazeres domésticos do cotidiano. Uma vida que elas não lamentam pelas dificuldades que se apresentaram pelo destino afora. Vez por outra, recebem visitas de familiaresque moram na localidade da Palmeirinha, onde também residem.
Diogo se fez cineasta por alguns dias para apresentar o exemplo das tias, em um dos documentários produzidos por uma equipe da ONG Verde Vida. Ele não conseguia entender como elas encaravam a vida. O vídeo foi uma oportunidade. Ele chegou bem cedo para as primeiras filmagens. Um pouco mais, após as 3 horas. Mas, os primeiros passos de Rita já haviam sido dados, levando a lenha em busca de fogo. Até chegar às 6 horas, tudo praticamente já está pronto. O almoço, casa arrumada e varrida. Uma limpeza e arrumação impecáveis.
Maria ainda lembra dos primeiros momentos quando criança, em que teve a oportunidade de enxergar. Mas o mundo aos poucos foi escurecendo. "Aceito sem revolta, graças a Deus", diz dona Rita. Mas ela lembra dos dias em que tinha que moer milho, lavar roupa, pegar água no açude, e fazer o almoço de várias pessoas em casa. "Até as 12 horas, botava 50 latas de água na cabeça", afirma.
São mulheres do sertão cearense, acostumadas com a lida da agricultura. Colhiam algodão nos tempos de maior fartura. A conformação quanto ao estado delas é exposto por dona Maria. "Deus quis que a gente ficasse deficiente", diz ela. E aceita sem revolta a sina. Vai cantando durante os dias da vida. Pega o machado e corta a lenha para o fogo, no terreiro de casa.
Júlia não se faz de rogada, mesmo com a deficiência visual. "Faço tudo, e muitas vezes até melhor do que muita gente que tem a vista boa", afirma. E diz ainda que é bem conformada com a vista que tem. "Não sinto inveja de quem tem a sua vista boa", ressalta.
A religiosidade é um dos grandes alentos para essas três mulheres. Júlia chegou a ser catequista e a formar crianças para a Primeira Comunhão.
Os cânticos em coro das três irmãs embalam o fim de tarde. A companhia da irmã Idália Maria Ribeiro, para as missas, ou mesmo das sobrinhas, é fundamental. Um passeio imprescindível para fortalecer a esperança nos dias de vida. Mesmo já tendo ido morar em outro Estado, a irmã com visão saudável afirma que jamais pensa em abandoná-las. "São pessoas guerreiras e fortes", afirma.
Estudos
Rita lembra da sua grande vontade na vida que era de concluir os estudos. Sai a caminho do terreiro, para dar o milho das galinhas, ao mesmo tempo em que a fala conformada com o estado de vida traduz a dignidade do trabalho que pode exercer.
O som do pilão marca o compasso de uma realidade diária, naturalizada por pessoas que compreendem o sentido da vida, sem dor, nem sofrimento.
Simplesmente, elas vivem de acordo com o que possuem e as condições que dispõem para isso, sem sofrerem com limites.
ELIZANGELA SANTOS
REPÓRTER
Mais informações:
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ONG Verde Vida
Sítio Catingueira, Distrito de Ponta da Serra
Telefone: (88)3523-9162
E-mail: verdevidas@yahoo.com.br
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