As barragens subterrâneas são usadas também para conter o processo de desertificação
Afogados da Ingazeira (PE) Um engenheiro mecânico de 80 anos e uma ideia perseverante mudaram os rumos de uma propriedade rural nesta cidade, localizada no sertão do Pajeú, a 386 quilômetros de Recife. A partir da construção de barragens subterrâneas em formato de arco romano deitado foi possível armazenar água em todos os recantos da propriedade. O melhor de tudo é que a tecnologia criada por José Artur Padilha na Fazenda Caroá, de sua propriedade, é de baixíssimo custo.
A construção das barragens é feita de maneira simples: as pedras são colocadas no chão sem qualquer tipo de escavação ou colocação de argamassa, já que a própria natureza, com o passar do tempo, se encarregará de fazer a sedimentação
O trabalho de Padilha, intitulado Projeto Base Zero, foi adotado pela Agenda 21 na área de Agricultura Sustentável do Governo Federal. Paradoxalmente, as instituições públicas não demonstram o menor interesse em financiá-lo. O fato de não envolver vultosos recursos e grandes empreiteiras talvez seja o principal entrave para o desinteresse.
"O que fazemos é seguir o que a natureza nos ensina. A diferença é que levaria cerca de 300 mil anos para se formar um barramento natural enquanto o homem pode fomentar esse processo em apenas uma semana", explica José Artur Padilha.
Artur Padilha num dos pontos onde tem água encanada no meio da Caatinga Fotos: Cid Barbosa
Euclides da Cunha
A construção de mananciais de superfície é duramente criticada por Padilha. "Em 1887, Euclides da Cunha já dizia que armazenar água a céu aberto era um caminho errado. Que, mais cedo ou mais tarde, todos os açudes ficariam assoreados. E é a realidade que estamos vendo. Devíamos ter adotado o processo natural de criação de reservas subterrâneas de água".
Outra questão polêmica levantada por Zé Artur Padilha é a da transposição do Rio São Francisco. "Não vai resolver o problema do sertão. Ela vai atingir 800 quilômetros quadrados - 400 de cada margem- enquanto temos no Semiárido uma área de quase um milhão de metros quadrados. Ou seja: o seu alcance será mínimo".
Padilha vem desenvolvendo suas ideias desde 1969. Em todos os 600 hectares da Fazenda Caroá, por conta das 100 barragens espalhadas, é possível encontrar água.
Ao contrário dos animais do sertão nordestino, que sofrem para saciar a sede nos tempos de seca, ali os bichos andam poucos metros para alcançar um dos 50 bebedouros espalhados. A água vem de uma cacimba construída entre três barragens de pedra.
Reversão
Como fica num ponto alto, abastece por meio da força da gravidade e por meio de 20 quilômetros de encanamento, toda a terra. De forma surpreendente, o engenheiro conseguiu reverter um processo de desertificação numa pequena área em menos de um ano. No local, hoje pontifica uma vegetação firme e até mesmo algumas mangueiras.
"Esse local não tinha vegetação. Em 1999, ocorreram cinco enchentes que deixaram o solo salinizado e produziram um processo de erosão enorme. Realizamos de forma acelerada e natural a reconstituição. Fenômenos naturais que se apresentavam como degradadores passaram a ser usados por nós a favor do solo, como o caso das barragens que retiveram água de forma correta. Com isso, a terra voltou a ser fértil e o restante a própria natureza se encarregou de fazer de maneira sábia".
Com orgulho e autocrítica, Padilha mostra um barreiro que foi construído há 34 anos na propriedade. A autocrítica é pelo fato de admitir que a edificação do barreiro "foi uma burrice sem tamanho. Ainda não entendia ainda como atua a natureza. A barragem impede o curso natural da água, impossibilitando a passagem molhada e destruindo o baixio".
O orgulho é pelo fato de ter "arrombado" o barreiro para restabelecer o trajeto da água. "Para vocês terem uma ideia do que ocorreu aqui, esse barreiro custou, a preço de hoje, em torno de R$ 100 mil. Com esse dinheiro, poderia construir 33 barragens em forma de arco romano deitado por R$ 3 mil, cada", compara.
Simplicidade
Antes de chegar à barragem subterrânea em arco romano deitado, feita apenas de pedra, Padilha cometeu erros, como ele próprio admite. "Entre 1969 a 1979, acompanhei a tradição e, sem refletir, edifiquei algumas barragens retas, fechadas com argamassa. Depois é que passei a usar o arco romano. Só que ainda insistia na argamassa, que impede a passagem da água e faz com que ela suba para a superfície. Com isso, o sol trata de evaporá-la e apenas o sal permanecia no solo, degradando-o".
Ao retirar a argamassa, Padilha viu que a própria natureza tratou de sedimentar a barragem, com parte dos minerais e materiais orgânicos transportados pelas águas da chuva. "Reter o solo, a água e matéria orgânica é um processo que demora milhões de anos".
Nos Pampas
Sem apoio, o laboratório da Fazenda Caroá, que servia para Padilha expor, em palestras realizadas pelo menos duas vezes por mês, sua ideias e mostrar na prática como funciona a experiência, foi fechado. A visita que o então candidato à presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva fez ao local, em 2002, deixou o engenheiro esperançoso de que, finalmente, sua proposta fosse replicada pelo Semiárido. Ledo engano. Para o engenheiro Artur Padilha, "a questão ambiental deve ser convergente, tem que estar acima dos partidos políticos e das forças ideológicas para o bem do País".
FERNANDO MAIA
REPÓRTER
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