Com P1+2, produtores deixam de importar e passam a exportar em pequena comunidade do Semiárido
No comunidade de Cabeceira de Cônego Marinho, em Januária, há 105 agricultores associados, de 75 famílias, que não sabiam o que era ASA até 2009, quando chegou o P1MC, com 50 famílias beneficiadas lá e na comunidade vizinha. Depois foi o P1+2, com 20 beneficiados, e as mudanças começaram.
A introdução de tecnologias sociais mudou a vida dos agricultores Fotos: Fabiane de Paula
Antes, para ter uma alimentação melhor, precisavam se deslocar para Januária, numa estrada ruim. Agora, eles produzem para o consumo e o que sobra é comercializado na feira, sem contar que dois produtores já negociam com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Ou seja, não só a alimentação melhorou, mas a renda também.
A maior pendência era a água porque a terra é muito boa. Mas a ASA foi além e, com o acompanhamento da Cáritas, ensinou a produzir adubo orgânico e biodefensivos e, com essas práticas, a saúde melhorou, a merenda nas escolas foi diversificada de forma saudável, com tudo da própria localidade e preços diferenciados pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) para os produtores.
Gloriza Mota Lopes Leite, 44 anos, conta que no ano passado, mesmo com a escassez de chuvas, produziu tanto que chegou a perder. Ela explica que o curso de criação de galinhas, no Sindicato dos Produtores Rurais, foi muito importante para revigorar a sua produção, com redução de perdas. Seu esposo, Manoel de Lima Leite, de 54 anos, diz que antes só produzia alface, cebola e coentro e passou a produzir também tomate, pimentão, couve, cenoura, beterraba e até morango, sem contar que cria boi, porco e galinha.
Maria de Lourdes Almeida Lima, de 54 anos, é servente na Escola Municipal Josefina Francisca Nunes, mas é também agricultora. De tudo produz um pouco: "E olha que só trabalho aqui meio período". O que sobra doa a quem não produz. "Antes das cisternas, aqui só tinha capim e gado", resume.
FIQUE POR DENTRO
Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA)
A ASA é uma rede formada por organizações da sociedade civil que atuam na gestão e no desenvolvimento de políticas de convivência com o Semiárido. O Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC) objetiva formar uma estrutura descentralizada de abastecimento para famílias com renda até meio salário mínimo por membro, incluídas no Cadastro Único do governo federal, que residam na área rural e não tenham acesso ao sistema público de abastecimento. Já o Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2) objetiva fomentar processos participativos de desenvolvimento rural no Semiárido brasileiro e promover a soberania, a segurança alimentar e a geração de emprego e renda às famílias agricultoras, pelo acesso e manejo sustentáveis da terra e da água. O 1 significa terra para produção e o 2, águas para consumo humano e produção.
Sabedoria que precisa ser valorizada
"O contato com agricultores experimentadores do Semiárido brasileiro tem sido sempre muito rico e surpreendente"
Eu já conhecia (e admirava) o trabalho da Articulação do Semiárido (ASA), por meio do Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC) quando recebi o convite da Petrobras (parceira da ASA) para o lançamento do Programa Uma Terra Duas Águas (P1+2), na comunidade de Lajedo de Timbaúba, município de Soledade, na Paraíba, no dia 17 de abril de 2007. No local, centenas de famílias agricultoras e representantes de movimentos sociais dos Estados de Alagoas, Ceará, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte, além de parceiros e técnicos foram reunidos para conhecer uma nova proposta para melhorar a convivência do sertanejo com as adversidades climáticas.
A jornalista Maristela Crispim entrevistou agricultores do Norte de Minas
O foco principal não era mais apenas a captação da chuva para garantir a água de beber no período de estiagem, mas promover a segurança alimentar e geração de renda, com acesso a manejos sustentáveis da terra e da água por famílias agricultoras do Semiárido Brasileiro. Pela primeira vez participei de uma Feira de Saberes e Sabores, onde vi a importância da difusão de experiências como o beneficiamento de frutas, o banco de sementes comunitário, as mandalas, as cisternas adaptadas à roça. Pude também ver e entender a experiência da barragem subterrânea em propriedades da região. Esse foi um entre muitos momentos marcantes onde pude perceber que é possível produzir interagindo de forma equilibrada com os sistemas naturais.
Em novembro do ano passado, já pensando em trabalhar um pouco mais na perspectiva da importância dessas experiências para o momento que o Semiárido atravessa e no que está por vir, recebi com alegria o convite da ASA para cobrir o VIII Encontro Nacional da Articulação no Semiárido Brasileiro (EnconASA), em Januária, cidade do Norte de Minas Gerais, com a expectativa de conhecer novas propostas para essa desafiadora convivência. A estimativa foi que aproximadamente 600 agricultores e articuladores ligados à ASA tenham participado das discussões e das trocas de saberes durante o evento.
Falou-se sobre as conquistas dos 12 anos de existência deste modelo de trabalho de base comunitária, do respeito e valorização das organizações da sociedade civil, do resgate da cultura dos povos, na perspectiva da produção de conhecimento no Semiárido, das tecnologias capazes de mudar a vida de muita gente, da busca da universalização das cisternas de placa e da ampliação do P1+2 como uma forma de garantir a soberania alimentar com base Agroecológica e a geração de renda. O contato com agricultores experimentadores do Semiárido brasileiro tem sido sempre muito rico e surpreendente.
MARISTELA CRISPIM
EDITORA DE REPORTAGEM
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