Postes de energia elétrica não foram retirados antes da inundação e ressurgiram
(Foto: Gabriela Alves/G1)
Depois de 11 anos submersas, as memórias de moradores de Jaguaribara, a
254 quilômetros de Fortaleza, voltaram à tona. O nível do açude
Castanhão baixou e, pela primeira vez, ruínas da antiga Jaguaribara,
demolida e inundada para dar lugar a um dos maiores reservatórios da
região, reapareceram com a pior seca dos últimos 50 anos no Ceará, segundo a Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme).
Concluído em 2003, Açude Castanhão é o maior açude público para
múltiplos usos do Brasil e tem um volume total de 6,7 bilhões métricos
cúbicos, mas atulmente está com 51% da capacidade, de acordo com
Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos do estado (Cogerh). Nos
últimos anos, o nível baixou 10 metros abaixo da cota máxima e, nas
paredes da barragem, é possível ver as marcas disso.
Para conhecer ou reconhecer a antiga Jaguaribara, é preciso navegar 30
minutos pelo Castanhão. Os primeiros sinais da cidade são as fileiras de
postes reveladas no meio das águas. Mesmo sem nunca ter andado pela
velha Jaguaribara, o guia de pesca Gil Magalhães, 28 anos, conta que os
postes de alta tensão um ao lado do outro estão onde era uma das
principais avenidas da cidade.
O
monumento a Tristão Gonçalves onde o revolucionário da Confederação do
Equador morreu estava embaixo d'água e aparece acima em dois momentos:
antes da inundação e atualmente (Foto: Gabriela Alves/G1).
“Eu conheci a Jaguaribara velha já submersa. Foi navegando mesmo que eu
fui sabendo cada canto da cidade”, disse. Aos 28 anos, ele trabalha
acompanhando praticantes da pesca esportiva no açude. Há seis anos nesse
trabalho e com a orientação dos que viveram na antiga Jaguaribara, ele
mostra e conta a história como se tivesse sido um dos moradores. “Os
turistas perguntam onde era a cidade. Muita gente vem pescar e, agora
que a cidade reapareceu, querem conhecer também”.
O guia Gil conduz o barco entre os vestígios
da velha Jaguaribara (Foto: Gabriela Alves/G1)
Ruínas e lembranças
No caminho dos postes, é possível encontrar uma das principais obras da antiga Jaguaribara. A caixa d'água localizada em um dos pontos mais altos da cidade está totalmente visível. Antes de ser submersa, a edificação foi derrubada. Ao lado das ruínas da caixa d'água, são encontrados tijolos e pias, restos das casas que formavam a Vila de São Vicente. Quem se mudou também deixou para trás objetos pessoais como calçados e frascos de perfume.
Para Mathusalém Peixoto Maia, 61 anos, um dos moradores da antiga
Jaguaribara, o nível baixo das águas do Castanhão trouxe uma das
principais lembranças da vida dele e uma parte importante da história do
Brasil. A antiga Jaguaribara ainda guarda um monumento erguido em
homenagem ao centenário de morte do revolucionário Tristão Gonçalves de
Alencar Araripe, que liderou a Confederação do Equador.
Mathusalém exibe foto de monumento da época
em que cidade existia (Foto: Gabriela Alves/G1)
A recordação continua de pé exatamente no local onde Tristão foi morto
pelas forças imperiais em outubro de 1824. “É muito emocionante rever o
monumento. Todo dia eu passava em frente quando saía e voltava para
casa. Volta um filme todo da nossa história”.
Mudanças
Gil e Mathusalém agora são moradores da nova Jaguaribara, primeira cidade totalmente projetada do Ceará. Para o ex-morador de Jaguaribara, na nova “tudo é diferente” e, para o que conheceu a antiga apenas sob as águas, a mudança trouxe modernidade.
Segundo o Censo 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), a população atual da cidade é de 10.399 habitantes
em um local preparado para 70 mil. “Quando fizeram a nova (Jaguaribara),
ficaram assustados. Deu muito trabalho para o pessoal sair. Ninguém
também esperava que o açude encheria tão rápido por causa das chuvas.
Era gente sendo tirada de helicóptero das casas na zona rural. Não
tiveram tempo nem de retirar os postes de alta tensão”, lembra
Mathusalém.
Mesmo com uma Jaguaribara mais estruturada e sem problemas de lotação
pela desproporção do número real de habitantes para o projetado – o que
faz lembrar, às vezes, uma cidade-fantasma -, o funcionário público Jeso
Carneiro de Freitas, de 50 anos, preferia voltar no tempo. “A vontade é
de voltar para morar lá (antiga Jaguaribara). Eu nasci lá, eu me criei e
vivi tudo lá. Vontade de tentar viver naquele lugar em que a gente
sempre teve tanto empenho”.
Jeso Carneiro diz ter saudade do lugar
onde nasceu (Foto: Gabriela Alves/G1)
As lembranças com o reaparecimento da velha cidade vêm carregadas de
tristeza para o funcionário público. Ele recorda de quando a cidade foi
demolida para ser inundada e não esperava que um dia ela ressurgiria.
“Muita gente queria ficar lá. Foi muito triste quando ela foi inundada. A
gente recorda a nossa vivência naquela cidade”. Atualmente, Jeso cuida
da Casa da Memória, um lugar que guarda fotos e objetos da antiga
Jaguaribara.
A Igreja de Santa Rosa de Lima, maior recordação da antiga Jaguaribara
para Jeso, não reapareceu com o nível baixo do açude Castanhão. “Para
mim, ela se tornou símbolo da nossa mudança”, diz. O lugar foi um dos
demolidos, mas ganhou uma réplica na nova cidade. Na mudança de uma
cidade para outra, a santa padroeira também foi levada e está na frente
da nova igreja.
Para os moradores da antiga Jaguaribara, o ressurgimento da cidade se
torna mais triste por ser um sinal da seca. “No meio de tudo isso, a
tristeza ainda mais profunda porque a seca para nós é muito
prejudicial”, lamenta Mathusalém. A antiga Jaguaribara vivia da
agropecuária, a atual tem como base da economia a piscicultura. Apesar
da baixa do Castanhão, a Cogerh afirma que se não chover nenhuma gota
até janeiro de 2015, o Castanhão vai conseguir suprir a demanda do
agronegócio no perímetro do Jaguaribe e transportar água para a Região
Metropolitana de Fortaleza.
No
sentido horário, a rua da caixa d'água antes da inundação e as ruínas
do antigo reservatório; a igreja que desapareceu sob as águas e a
réplica do mesmo templo na nova cidade (Foto: Reprodução)
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