Na região, alguns cactáceos presentes na Caatinga praticamente
desapareceram para suprir a alimentação dos animais, sobretudo durante
os períodos de estiagem prolongada, como o atual
São José do Seridó (RN). "Olha, para dizer a verdade, nunca ouvi falar sobre essa história de desertificação. Sei que a situação por aqui não anda nada boa. Só piora a cada seca. Há alguns anos, tinha um pouco de forragem para os animais. Agora, é isso que se vê, muita pedra no chão", exclama o agricultor Francisco Assis de Medeiros, de 67 anos, proprietário do Sítio Cajazeiras, localizado em São José do Seridó, distante 227 quilômetros de Natal.
Animais em demasia contribuem para a degradação do meio ambiente. FOTO: CID BARBOSA
O sítio de seu Francisco faz parte do assentamento Seridó. Ele nasceu e vive desde então ali. Ao contrário de outros agricultores do Semiárido que passaram a ter um novo olhar sobre a Caatinga, colocando sua preservação como prioridade, Francisco desconhece os perigos que representa a manutenção de velhos princípios de lidar com a terra.
Tanto é verdade que cria 34 animais, entre vacas, garrotes e novilhos, numa área de apenas um hectare. O resultado é um solo desgastado, onde não se encontra um rastro sequer do verde e preponderam pedregulhos.
Prejuízo
Ironicamente, o gado fica a rodar à procura do pasto. Todos os dias, seu Francisco leva a ração que compra e a coloca no solo. "O prejuízo é grande. Já estou há mais de um ano tirando dinheiro do bolso para comprar a alimentação dos animais. Não dá sequer para empatar. O custo aqui é de R$ 2 mil por mês. A produção de leite e queijo está rendendo abaixo disso", assegura.
Para fazer face ao problema, o homem do campo já adiantou que adotará uma postura comum nos períodos de estiagem. "Quando não tiver mais de onde tirar, as economias acabarem, vou vendendo um animal para ir salvando os outros. Vou fazer isso até não restar mais nenhum. Se não fosse pela minha aposentadoria, já teria desistido pois a terra parece não responder mais como antes".
No que diz respeito ao manejo incorreto do solo, seu Francisco é enfático. "A gente pode até estar agindo de forma errada. Mas o fato é que temos de fazer alguma coisa para viver. E por aqui não há outra alternativa".
Situação crítica
O secretário de Obras e Meio Ambiente de São José do Seridó, Josemar Araújo de Medeiros, alerta para a situação crítica da região. "A vegetação de Caatinga no Seridó praticamente desapareceu. Aquelas plantas que ainda resistem sofrem de nanismo. Essa realidade desesperadora restringe cada vez mais a atividade econômica".
Josemar, que é geógrafo, especialista em Bioecologia e tem mestrado em Engenharia Sanitária, aponta a pecuária extensiva como um dos fatores responsáveis pela situação do Seridó. "Essa prática ajudou a tornar a terra totalmente degradada. As folhas caem, os animais a comem e o solo fica desprotegido. Além disso, os ventos e a erosão funcionam como fatores naturais que foram potencializados pela atividade humana. Em relação às secas, o problema aumenta em progressão geométrica, pois o homem do campo, sem perspectivas, agride mais ainda a natureza, cortando xique-xique ou desmatando para fazer mais lenha".
A Educação Ambiental é um dos instrumentos que precisam ser usados urgentemente na Caatinga, segundo Josemar. "Muitos sertanejos não têm ainda a ideia de que a região semiárida vem sendo afetada ao longo do tempo com animais de grande porte, que comem muito e provocam degradação na flora e na fauna", pondera.
"Maior prova disso, continua Josemar, é o cardeiro (cactáceo parecido com o mandacaru), praticamente desaparecido da nossa região. Minha avó dizia que esse local era coberto por ele. Após ser derrubado para a alimentação dos animais, passou-se a fazer o mesmo com o xique-xique. Os nossos recursos naturais foram usados da forma mais criminosa possível. Só há uma saída: obedecer ao princípio da racionalidade ambiental, de usar a natureza de forma sustentável", conclui. Outra atividade que concorreu e ainda contribui em muito para a degradação na região é a mineração.
Paraíba
O núcleo de desertificação do Seridó (RN), segundo o Ministério do Meio Ambiente (MMA) inclui os municípios de Acari, Carnaúba dos Dantas, Cruzeta, Currais Novos, Equador, Ouro Branco, Jardim do Seridó, Parelhas, São José do Seridó e Santana do Seridó.
Entretanto, o Instituto Nacional do Semiárido (Insa), que está realizando um levantamento completo da desertificação em todo o Semiárido, e outras instituições consideram também no mesmo núcleo os municípios paraibanos de São Mamede, Santa Luzia, Junco do Seridó, Várzea e São José do Sabugi.
Persistência
34 animais são criados no Sítio Cajazeiras, de propriedade do agricultor Francisco Assis de Medeiros, de 67 anos, numa área de apenas um hectare
R$ 2 mil reais é quanto seu Francisco recebe como aposentadoria. Ele gasta um salário mínimo por mês só com ração para alimentar a sua pequena criação
FERNANDO MAIA
REPÓRTER
MMA investe em criação de UCs e manejo sustentável
MMA investe em criação de UCs e manejo sustentável
"A Caatinga tem um imenso potencial para a conservação de serviços ambientais, uso sustentável e bioprospecção que, se bem explorado, será decisivo para o desenvolvimento da região e do País", diz o chefe do Departamento de Combate à Desertificação do MMA, Francisco Campello. Ele destaca, no entanto, que o bioma tem sido desmatado de forma acelerada, devido, principalmente, ao consumo de lenha nativa, explorada de forma ilegal e insustentável, para fins domésticos e indústrias. Frente ao avanço do desmatamento, que chega a 46% da área do bioma, o governo investe na criação e ampliação de Unidades de Conservação (UCs) federais e estaduais e promovido alternativas para o uso sustentável da sua biodiversidade.
Em relação às UCs federais, em 2009 foi criado o Monumento Natural do Rio São Francisco, com 27 mil hectares, nos Estados de Alagoas, Bahia e Sergipe; e, em 2010, o Parque Nacional das Confusões (PI) foi ampliado em 300 mil ha, passando a ter 823.435,7 ha. Em 2011, foi criado o Parque Nacional da Furna Feia, nos municípios de Baraúna e Mossoró (RN), com 8.494 ha. Com isso, a área protegida por UCs na Caatinga aumentou para cerca de 7,5%. Ainda assim, o bioma continua um dos menos protegidos do País, já que pouco mais de 1% destas unidades são de Proteção Integral. Além disso, grande parte dessas UCs, especialmente as Áreas de Proteção Ambiental (APAs), têm baixo nível de implementação.
Paralelamente, algumas parcerias vêm sendo desenvolvidas entre o MMA e os Estados, desde 2009, para a criação de UCs estaduais. Os primeiros resultados são a criação do Parque Estadual da Mata da Pimenteira, em Serra Talhada (PE), e da Estação Ecológica Serra da Canoa, em Floresta (PE), com cerca de 8 mil ha, no Dia da Caatinga de 2012, 28 de abril. Também foram destinados recursos estaduais para criação de UCs no Ceará, em Santa Quitéria e Canindé.
Por intermédio do MMA estão sendo aplicados, desde 2012, 20 milhões de reais para a conservação e uso sustentável da Caatinga por meio de projetos do Fundo Clima / Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), do Fundo de Conversão da Dívida Americana / Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio) e do Fundo Socioambiental Caixa Econômica Federal e agora o Fundo Caatinga do Banco do Nordeste (BNB). Estes recursos apoiam a criação e gestão de UCs e custeiam projetos de uso sustentável de espécies nativas, manejo florestal sustentável madeireiro e não madeireiro e a eficiência energética nas indústrias gesseiras e cerâmicas. Em 2012 também foi lançado edital voltado ao uso sustentável da Caatinga, pelo Fundo Clima e Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal / Serviço Florestal Brasileiro (SFB).
MARISTELA CRISPIM
EDITORA
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