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sexta-feira, 5 de abril de 2013

´O governo incentivou o manejo errado da terra´

A Funceme iniciou trabalho de recuperação da área degradada e espera reverter o quadro em até dez anos

Jaguaribe (CE). "Nós éramos incentivados a plantar de qualquer forma e a criar o máximo possível de animais, sem qualquer preocupação com a terra. Os financiamentos para esse fim eram fáceis. O resultado dessa política oficial e totalmente equivocada é o que estamos vendo aqui: o solo imprestável", resume o agricultor Francisco Nogueira Neto, 53, mais conhecido como Neto do Brum, cuja fazenda localiza-se a pouco mais de 10 Km do Centro de Jaguaribe.

O agricultor Neto do Brum tenta recuperar o que resta da sua propriedade FOTOS: CID BARBOSA

Sua propriedade faz parte dos 10,2% do território cearense que sofrem algum processo de degradação suscetível à desertificação. Isso representa 15.130 km². O levantamento é da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme), que realizou estudo visando detectar de forma abrangente (escala temática 1:800.000) quais as áreas do Estado do Ceará que apresentam, do ponto de vista físico, sinais evidentes de degradação ambiental. Além do Médio Jaguaribe, que inclui, afora Jaguaribe, Jaguaretama, Jaguaribara e Alto Santo, num total de 92.695 hectares suscetíveis aos processos de desertificação, foram identificadas, ainda, as regiões dos Inhamuns/Sertões de Crateús e o município de Irauçuba e regiões circunvizinhas.

Na fazenda Brum, 75% dos 30 hectares estão comprometidos pela degradação. "Nessa área não tem mais nada. O solo zerou. Mais de 80% da vegetação de caatinga desapareceram. Não tínhamos ideia de que estávamos procedendo de forma errada. Fazíamos mau uso da terra com queimadas e desmatamentos para o plantio do algodão com herbicidas e agrotóxicos nos anos 80. Além disso, numa propriedade onde eram criados 20 animais, havia o incentivo oficial para que criássemos o dobro ou mais", relata Neto do Brum.

Em 1986, o agricultor começou a perceber que algo estava errado. "A produção de feijão, na represa do Açude Brum, era, em média, de 400 sacas por ano. Foi caindo e, quando chegou a apenas 50 sacas, notei que a terra estava exaurida. Quando comecei, usava quatro litros de agrotóxicos para produzir 400 sacas. No fim, a equação era terrível: 38 litros de agrotóxicos para a produção de apenas 50 sacas. Foi aí que resolvi parar o plantio de feijão".

Desde então, Neto do Brum abandonou as queimadas, o desmatamento e os agrotóxicos. Começou a estabelecer uma política de recuperação do solo. "A decisão salvou o restante da fazenda. Se não tivesse parado, o deserto seria total por aqui. "Hoje planto feijão e milho apenas para a subsistência. Vivo da produção de leite e queijo por meio da criação de 60 cabeças de gado. Sei que ainda é muito pela área que tenho, mas distribuo os animais nas propriedades dos meus irmãos. Com isso, poupo a caatinga da ação dos animais".

A engenheira agrônoma Sônia Perdigão, do Departamento de Recursos Hídricos e Meio-Ambiente da Funceme, explica que o solo da Fazenda Brum foi desmatado. "Sem proteção, a chuva cai, sai levando os sedimentos, empobrecendo mais ainda o solo até a formação de sulcos e voçorocas. Além disso, o material de origem, a rocha, em vários locais encontra-se exposto a tal ponto que se quebra com facilidade".


Apesar de tudo, Sônia acredita na recuperação. "Fizemos o estudo do solo. O daqui é em relevo ondulado. O nosso propósito é reter os sedimentos com cordões de pedras e serrapilheira (camada de folhas secas) nas barragens de contenção. Acreditamos que, talvez num espaço de dez anos, o quadro possa ser completamente revertido e a área volte a produzir".

Para tanto, a Funceme, em convênio com o Ministério do Meio Ambiente (MMA) empregará recursos de R$ 222 mil, com financiamento do Fundo Nacional de Mudanças Climáticas, para executar, em 24 meses, projeto de recuperação da área de cinco hectares da fazenda.

Visão equivocada produz grande danos

Para compensar o prejuízo causado ao longo de décadas de desprezo à natureza, em particular à Caatinga, é preciso se adotar medidas novas para mitigar esse mal"

Não deixa de surpreender o depoimento do agricultor e hoje uma liderança ligada às questões ambientais da Região do Jaguaribe, Neto do Brum, sobre a política oficial que perdurou de forma irresponsável durante décadas. Só bem recentemente, os governos e a sociedade de uma forma geral se conscientizaram de que os recursos naturais são escassos, limitados. Estamos pagando um alto preço por ter usado a natureza de forma indiscriminada, extrapolando todos os limites aceitáveis.

Os repórteres Fernando Maia e Flávio Rovere, durante visita à Fazenda Brum
O aquecimento global, que era considerado pelas elites governamentais de todo o mundo como uma quimera ambientalista, hoje é sentido na própria pele de todos. Deu a louca no clima? Não. Apenas sofremos a consequência do nosso descaso histórico. Foi a essa conclusão que o agricultor Neto do Brum chegou após observar a maior parte da sua terra ficar improdutiva. Ele nos contou que durante anos foi instruído a queimar e desmatar e também a criar o maior número de animais que pudesse na sua fazenda, sem qualquer preocupação com o meio ambiente. A equação é das mais trágicas: muitos animais à procura de pasto produzem mais desmatamento e compactação do solo, deixando-o à mercê de um processo que degrada a terra e avança silenciosamente: a desertificação.

Esse sobrepastoreio, aliado a fatores como a irrigação e cultivo excessivos - principalmente monoculturas- agravaram sobremaneira a situação em locais que já sofrem com maior veemência dos efeitos das chamadas intervenções naturais, como ventos, secas prolongadas, chuvas irregulares etc.

Só recentemente, na última década, o assunto passou a ser encarado com maior atenção por parte dos órgãos públicos. Embora tardia, essa mudança de postura não deixa de ser um alento. A Funceme, por exemplo, pretende, com o trabalho que começa a ser executado na Fazenda Brum, recuperar e conservar o solo com o uso sustentável dos recursos naturais. De acordo com o órgão, o projeto ora desenvolvido objetiva também "prover uma ferramenta para multiplicação do uso das técnicas de recuperação em outras áreas degradadas do Semiárido".

O órgão, a exemplo do que faz o Instituto Nacional do Semiárido (Insa) também está elaborando o zoneamento ecológico-econômico das áreas susceptíveis à desertificação no Ceará. Pretende com isso gerar "um instrumento legal de ordenamento territorial que resulte na melhoria da qualidade de vida da população dessas regiões aliada à manutenção da capacidade produtiva dos recursos naturais em bases sustentáveis". Antes tarde do que nunca.

FERNANDO MAIA 
REPÓRTER

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