Estudo publicado na quarta-feira (27) na revista "Nature
Communications" sugere que pesticidas utilizados por fazendeiros para
proteger cultivos e colmeias podem embaralhar os circuitos cerebrais das
abelhas melíferas (produtoras de mel), afetando sua memória e
capacidade de navegação, necessárias para encontrar comida.
O artigo aponta que tal fato pode ameaçar colônias de abelhas inteiras,
cujas funções polinizadoras são vitais para a produção de comida para
nós, humanos.
A equipe de cientistas estudou os cérebros de abelhas produtoras de mel
no laboratório, expondo-as a pesticidas neonicotinoides usados em
lavouras, e a organofosfatos, o grupo de inseticidas mais usado no mundo
- neste caso, o coumafos -, utilizado para controlar infestações de
ácaros em colmeias.
De acordo com a pesquisa, quando expostos a concentrações similares dos
dois pesticidas encontradas no meio ambiente, os circuitos de
aprendizagem nos cérebros das abelhas logo param de funcionar.
"As duas classes de pesticidas juntas demonstraram ter um efeito
negativo maior no cérebro das abelhas e que podem inibir o aprendizado
das abelhas produtoras de mel", explica Christopher Connolly, do
Instituto de Pesquisa Médica da Universidade de Dundee, no Reino Unido.
"As [abelhas] polinizadoras têm comportamentos sofisticados enquanto se
alimentam, que exigem que aprendam e se lembrem de tratos florais
associados à comida', acrescentou Geraldine Wright, do Centro de
Comportamento e Evolução da Universidade de Newcastle.
"A interrupção desta importante função tem implicações profundas na
sobrevivência de colônias de abelhas produtoras de mel porque as abelhas
que não conseguem aprender não conseguirão encontrar comida", emendou.
Apicultores
de diversos países estão preocupados com o chamado 'distúrbio de
colapso das colônias', que causa desaparecimento das colmeias (Foto:
Eduardo Pioli Alberti/VC no G1)
A descoberta foi feita em meio a um intenso debate sobre o uso
continuado de neonicotinoides. Há duas semanas, países europeus
rejeitaram uma proposta de proibição por dois anos do grupo de
inseticidas que atinge o cérebro, depois da oposição da indústria
agroquímica.
Apicultores (criadores de abelhas) de Europa, América do Norte e de
outras partes do mundo estão preocupados com o chamado distúrbio de
colapso das colônias, um fenômeno no qual abelhas adultas abruptamente
desaparecem das colmeias - algo que tem sido atribuído a ácaros, vírus e
fungos, pesticidas ou a uma combinação destes fatores.
As abelhas são 80% dos insetos polinizadores de plantas. Sem elas,
muitos cultivos seriam incapazes de frutificar ou teriam que ser
polinizados a mão. Os cientistas afirmam que suas descobertas podem
levar a uma reavaliação do uso de pesticidas.
"Nossos dados sugerem que o uso amplo de coumafos como acaricida é um
risco desnecessário para a saúde das abelhas melíferas", afirmou
Connolly, que propôs o uso de ácidos orgânicos como sendo mais
apropriado para o controle de ácaros nas colmeias.
Situação é catastrófica, aponta porta-voz de
apicultores na França (Foto: Rede Globo)
Em termos de pesticidas para a proteção de cultivos, a indústria
agroquímica argumenta que alternativas aos neonicotinoides seriam mais
tóxicas para as abelhas. "Uma comparação direta das alternativas parece
ser o único caminho" para encontrar a opção menos nociva, afirmou o
cientista.
Em um comentário do estudo, o professor de Apicultura Francis Ratnieks,
da Universidade de Sussex, disse que as concentrações usadas na
pesquisa pareciam altas. "Não surpreende que altas concentrações de
inseticidas sejam nocivas, mas não sabemos se os baixos níveis de
inseticidas neonicotinoides no néctar e no pólen de plantas tratadas
também são nocivos no mundo real", acrescentou.
Além disso, o uso de coumafos é ilegal em grande parte da Europa e não é
amplamente usado nos Estados Unidos, afirmou Ratnieks, citado pelo
Science Media Centre, em Londres.
Nesta quarta-feira, apicultores franceses pediram ao Ministério da
Agricultura a proibição de pesticidas neonicotinoides, enquanto a
Comissão Europeia (CE) analisa a adoção de uma norma específica sobre o
caso.
"A situação é catastrófica", disse Henri Clément, porta-voz dos
apicultores franceses, afirmando que a taxa de mortalidade das abelhas
passou de 5% na década de 1990 para 30% atualmente, o que provocou uma
redução dramática na produção de mel na França, para 16.000 toneladas.
Clément se reuniu com os legisladores, aos quais pediu apoio ao seu
apelo pela proibição dos neonicotinoides, e pediu a criação de um
"comitê de apoio a alternativas aos pesticidas".
Este ano, a CE já propôs a suspensão do uso de três produtos
neonicotinoides nas culturas de milho, canola, girassol e algodão, pois
estes componentes contribuem para uma alta notável na mortalidade das
abelhas.
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