Equipamento foi usado por ser mais barato. Polícia vai investigar responsabilidade dos bombeiros e Prefeitura
Porto Alegre O delegado regional de Santa Maria (RS), Marcelo Arigony, afirmou em entrevista coletiva na tarde de ontem que a banda Gurizada Fandangueira utilizou um sinalizador mais barato, próprio para ambientes abertos e que não deveria ser usado em local fechado, durante o show na boate Kiss, em Santa Maria (RS). O equipamento teria provocado o incêndio que deixou 235 mortos na madrugada de domingo (27).

"Eles compraram um sinalizador de pirotecnia mais barato, que sabiam que era exclusivamente para ambientes abertos, porque falaram que era mais barato. O sinalizador para ambiente aberto custava R$ 2,50 a unidade e, para ambiente fechado, R$ 70. Eles sabiam disso, usaram este modelo para economizar", disse o delegado.
Segundo ele, os integrantes da banda admitiram o uso do sinalizador em depoimento. A banda teria inclusive usado o mesmo modelo de sinalizador em outras apresentações.
O delegado apresentou elementos que contribuíram para que a tragédia ocorresse, como falhas na iluminação de emergência, espuma inadequada para recobrir a danceteria, além de extintores irregulares.
Segundo Arigony, o extintor de incêndio que estava na boate e falhou quando os seguranças tentaram apagar o fogo pode ser falsificado. "Segundo testemunhas e provas preliminares, os extintores podem ser falsos, pois não estavam funcionando, não funcionavam direito", disse.
Ainda de acordo com o delegado, a espuma utilizada no revestimento da casa noturna não servia como revestimento acústico. "Esta espuma nem faz isolamento acústico, apenas evita eco e é inflamável. Pode ter produzido o gás tóxico", afirmou.
Entre os outros problemas apontados por Arigony estão reformas na boate que não tinham sido notificadas ou autorizadas pela Prefeitura de Santa Maria e pelo Corpo de Bombeiros. A porta de entrada do local também não teria capacidade para dar "evasão de fuga" ao público.
O Corpo de Bombeiros informou que o local tinha 615 metros quadrados de área e capacidade para 691 pessoas. O alvará de funcionamento estava vencido desde 10 de agosto e o laudo sanitário, desde 31 de março.
Também foi apontado falhas na sinalização interna do estabelecimento. "A boate não tinha iluminação para crise. As pessoas podem ter corrido para o banheiro, ao ver a luz ligada lá, achando que era uma saída de emergência e acabaram morrendo asfixiadas lá dentro".
Até ontem, 44 pessoas foram ouvidas pela Polícia e 10 ofícios de informações foram expedidos a órgãos públicos pedindo explicações e documentos. Segundo o delegado, apenas a Brigada Militar já respondeu aos questionamentos.
O delegado afirma que abriu um processo para investigar a responsabilidade do Corpo de Bombeiros e da Prefeitura de Santa Maria, e se houve improbidade administrativa. "Qualquer criança vê que esta casa não poderia estar funcionando. O conjunto todo mostra uma irregularidade total. O conjunto todo mostra que esta casa não podia estar funcionando", afirmou.
O Ministério Público vai abrir uma investigação para apurar as responsabilidades da Prefeitura e dos Bombeiros.
Vocalista admite uso
Marcelo Santos, que é vocalista da banda Gurizada Fandangueira, admitiu que segurou um sinalizador aceso durante o show. O músico negou, no entanto, que as faíscas do artefato tenham provocado o incêndio e disse que já havia manipulado esse tipo de sinalizador por diversas vezes em outras apresentações.
Aumenta para 235 o número de mortos em boate
Porto Alegre Internado em Porto Alegre, Gustavo Marques Gonçalves, 21 anos, teve morte encefálica confirmada pela Secretaria de Saúde do Rio Grande do Sul na noite de ontem. Com a nova vítima, de acordo com dados do órgão estadual, sobe para 235 o número de mortos no incêndio da boate Kiss durante uma festa universitária em Santa Maria.

A morte encefálica foi verificada às 18h01 de ontem, de acordo com a Secretaria da Saúde. Segundo o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, o rapaz, que foi transferido para Porto Alegre no domingo já em estado crítico, tinha mais de 70% do corpo queimado, com ferimentos no rosto, braços e peitoral.
Ainda há 117 feridos no incêndio sendo atendidos em hospitais do Rio Grande do Sul, informou Alexandre Padilha. Em entrevista coletiva no Hospital de Caridade, em Santa Maria, na noite de ontem, ele disse que há 64 internados em Santa Maria e 53 em Porto Alegre e na Região Metropolitana.
Entre os pacientes em Santa Maria, 27 estão em ventilação mecânica. Dos pacientes em Porto Alegre, apenas três foram retirados da ventilação mecânica. "Estamos confiantes de que outras pessoas possam ter uma evolução no estado de saúde", disse o ministro da Saúde, ressaltando que há 30 leitos de UTI disponíveis em Santa Maria.
Melhora
Uma das vítimas do incêndio apresentou sinais de melhora ontem e saiu do coma induzido. A estudante Ingrid Goldani, 20, está internada no Hospital Cristo Redentor, em Porto Alegre.
De acordo com a mãe da estudante, Eliete Goldani, a filha trabalhava no bar da boate. Passou cerca de dez minutos em contato com a fumaça, chegou a ser pisoteada e só saiu com vida do local porque foi puxada para a rua por um desconhecido.
Na manhã de domingo, ela procurou atendimento em uma clínica em Santa Maria, onde recebeu oxigênio e foi liberada. Deu entrevistas e escreveu em redes sociais, mas sentiu fraqueza à tarde e foi internada às pressas. Foi transferida no mesmo dia para o hospital na capital gaúcha.
"Ela está reagindo à medicação, já escreve e me responde com sinais", disse a mãe.
A suspeita é que a jovem tenha pneumonia química, inflamação que pode se manifestar em até três dias após o incidente. Ela deve permanecer entubada por ao menos dois dias, recebendo ventilação mecânica.
Gaúcho diz que o clima é de comoção
Luto oficial, instituições públicas sem funcionar, manifestações e homenagens às vítimas pela cidade. Essa é a realidade que o município de Santa Maria vive atualmente, como descreve o advogado Daniel S. Cechin, morador da cidade.

"O Fórum e a Justiça Federal, por exemplo, estão parados. O carnaval da cidade foi cancelado. O festival Planeta Atlântida foi adiado", conta o advogado, que afirma que o clima da cidade é de muita comoção.
"Hoje, vivemos no século XXI e não há uma preparação adequada dos locais que os jovens frequentam. Existe uma lacuna na lei que regula as casas de show e os empresários se aproveitam disso. Agora, depois dessa tragédia, estão falando em adequações na legislação", frisa Daniel S. Cechin. O advogado, que tem um homônimo na lista dos mortos na tragédia, conta que, por sorte, não tem alguém próximo entre as vítimas. "Uma sobrinha da minha esposa costuma frequentar essa boate. Mas como está de férias, viajou para a cidade onde os pais dela moram", diz.
Apoio
Segundo Daniel Cechin, a ajuda, seja pelo envio de profissionais ou aporte financeiro para o tratamento dos feridos, tem sido bem presente, desde a divulgação do incêndio, quando a presidente Dilma Rousseff e diversos ministros foram até Santa Maria.
"O tratamento de vítimas que estão em hospitais particulares está sendo custeado pelo governo federal. O governo de Santa Catarina também tem dado esse aporte financeiro, já algumas das vítimas eram de lá", conta o advogado.
Esclarecimentos
1) Superlotação
A casa noturna Kiss estava autorizada a receber até 691 pessoas, mas no dia da tragédia abrigava entre 900 e 1.000, segundo a Polícia. Um dos pontos de investigação é que a superlotação tenha impedido uma saída rápida do prédio, expondo por muito tempo as vítimas à fumaça. Elas morreram por asfixia ou intoxicação
2) Imagens do Incêndio
Uma empresa que presta serviços de manutenção para câmeras de segurança entregou à Polícia, na tarde de ontem, um gravador que seria usado para registrar imagens na boate Kiss. A firma informou que recebeu o equipamento há uma semana para ser consertado e que, nesse período, ele não esteve em funcionamento. A informação reforça a tese de que não há imagens do interior da casa noturna no dia do acidente
3) Reformas
Foram realizadas modificações na estrutura da casa noturna que não tinham sido notificadas ou autorizadas pela Prefeitura de Santa Maria e pelo Corpo de Bombeiros. O teto, feito de espuma e isopor, teria sido rebaixado após a liberação do alvará de funcionamento
Vítimas
117 feridos estão sendo atendidos em hospitais do Rio Grande do Sul. Há 64 pessoas internadas em Santa Maria e 53 em Porto Alegre e na Região Metropolitana
KÉLIA JÁCOME
ESPECIAL PARA NACIONAL
Fonte: Diário do Nordeste.
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