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segunda-feira, 17 de março de 2014

Tomada pelo tráfico, cidade em Honduras é a mais violenta do mundo


O Fantástico viajou pra uma cidade onde a taxa de assassinatos é 16 vezes mais alta do que a de São Paulo. Onde a violência é uma preocupação constante - mais até do que nas principais metrópoles do Brasil. Tomada pelo tráfico internacional de drogas, e sitiada por gangues em guerra, San Pedro Sula, em Honduras, é a capital mundial da violência - e é o tema desta reportagem especial, de Álvaro Pereira Júnior e Marcelo Benincassa.

Sexta-feira, 8h noite. Pronto-socorro do principal hospital público de San Pedro Sula. A sala está super lotada. E vários casos que chegam aos hospital tem a ver com a violência da cidade.

Em cerca de duas horas, três vítimas. Um homem que levou um tiro e contou uma história tão cheia de furos - que teria sido baleado por acidente por um amigo - que a polícia veio junto pra vigiá-lo até dentro do hospital. Um outro agredido a machadadas. E o último, também vítima de arma de fogo. Em uma briga de gangues, levou um tiro nas costas e outro no braço. Uma estudante de medicina, que estava no plantão, disse que, para os padrões do hospital, aquela era uma noite calma.

San Pedro Sula, Honduras, América Central. Uma cidade parecida com tantas da América Latina. Cerca de um milhão de habitantes, comércio vibrante, bairros mais ricos, bairros mais pobres. Mas San Pedro Sula é diferente, pelo terceiro ano consecutivo ela é a cidade mais violenta do mundo. E para conhecer essa realidade tão dura é preciso percorrer as ruas.

Cada palmo da cidade, principalmente na periferia, é disputado por duas gangues - ou maras, como se diz por aqui. Uma se chama MS13. A outra é a 18.

“Eles brigam por território. São inimizades pessoais entre as maras, é uma guerra que existe há dez”, explica César Johnson, porta-voz da Polícia Nacional.

As gangues que mandam em San Pedro Sula não surgiram aqui. “Vieram importadas, de Los Angeles, Estados Unidos. Tanto a mara MS quanto a 18 se formaram ali”, afirma César Johnson.

“Quando essas pessoas começaram a voltar a Honduras - deportadas, por exemplo- formaram essas mesmas gangues aqui”, explica Ada Cantarero, socióloga – Observatório da Violência.

As deportações não param. De segunda a sexta, os Estados Unidos mandam para San Pedro Sula dois aviões lotados de hondurenhos ilegais.

Na pista do aeroporto, quem recebe os deportados é uma freira brasileira.

Fantástico - Como a senhora se sente trabalhando na cidade mais perigosa do mundo?


Irmã Valdete Wilemann - Olha, eu não tenho medo, eu não tenho medo. Logicamente que já fui roubada muitas vezes aqui. Mas medo, medo, eu não tenho não. Por detrás de cada rosto de migrante que chega, de deportado, tem uma história.

Franklin, cantor, passou 12 anos ilegal nos Estados Unidos, até que... “Fui pego dirigindo sem carteira. Sei que isso é proibido, é por isso que estou aqui”, afirma Franklin Punk Man, MC do grupo Son de Calle.

Juan Lópes nem conseguiu entrar, diz que foi apanhado na fronteira. “Quis entrar ilegalmente, me castigaram com dois anos de prisão”.

Entre os que voltam, alguns são das temidas maras. “Eles são grupos muy armados ( muito armados), a característica deles é todos tatuados - chegou hoje dois, dois todo tatuados e son de las gangues ( são das gangues)”, conta Irmã Valdete Wilemann.

Além de sofrer com as gangues, San Pedro Sula paga um preço alto por sua posição geográfica. “Honduras tem essa característica: nos últimos anos, virou um corredor do crime organizado”, afirma Ada Cantarero.

Quando os grandes traficantes internacionais viram aumentar a repressão em países como a Colômbia e México, procuraram novos lugares para se instalar. E encontraram em Honduras um terreno ideal. A cocaína vinda da América do Sul podia fazer escala no país pra ser distribuída pros Estados Unidos. E as gangues, que já estavam instaladas na região, se mostraram parceiras ideais.

“Eles precisam das maras pra dar segurança em todo o trajeto com a droga, seja terrestre ou marítimo”, explica César Johnson, porta-voz Polícia Nacional.

Em um levantamento global, feito por um respeitado grupo de estudos mexicano, San Pedro Sula aparece, há três anos, em primeiro lugar entre as cinquenta cidades mais violentas do mundo que não estão em guerra.

Em 2011, foram 159 assassinatos para cada cem mil habitantes. Em 2012, 174.

E, em 2013, 187 homicídios para cada cem mil moradores. E em 2014, a matança prossegue em San Pedro Sula, a capital industrial do país, segunda cidade mais importante de Honduras.

Nos oito dias que passamos aqui, foram 15 assassinatos. Como este, numa rua escura, de terra, na periferia. Um cobrador de ônibus, de 25 anos, foi morto com tiros na cabeça por um bando de desconhecidos. Os assassinos fugiram. E a chance de que este crime seja resolvido é praticamente zero.

“O mais grave é que não existe investigação criminal. Se a impunidade prossegue, se não se investiga, então os níveis de violência - que já são preocupantes - vão ficando ainda mais altos”, ressalta Ada Cantarero.

Estamos na região de Rivera, dividida em vários bairros. É uma das áreas mais perigosas da cidade. Acompanhamos uma patrulha da polícia nacional.

Em algumas ruas não existe absolutamente nada, movimento nenhum. São cerca de oito da noite. Mas numa avenida já tem gente na rua, comércios abertos. Essa é uma área conhecida como Planeta, dominada pela Mara 18.

A Polícia Nacional - uma força civil - sofre muitas críticas. O porta-voz faz a defesa. “Pra nós, faltam carros, motocicletas. Falta gente. Pra dar segurança a quase um milhão de habitantes, contamos com 700 policiais. Temos problemas com corrupção, mas ao poucos estamos combatendo”, afirma César Johnson.

Diante de uma Polícia Nacional desacreditada, e de números crescentes de assassinatos, o governo hondurenho criou em outubro passado uma nova força a Polícia Militar. E existe uma terceira opção, principalmente nos bairros mais perigosos, como este, chamado Chamelecón.

Esta região de San Pedro sula tem uma característica muito problemática: ela tem a presença das duas gangues mais fortes, a MS e o 18. E aqui quem atua não é a Polícia Nacional nem a Polícia Militar, é o Exército. E essa é uma presença polêmica.

“Para mim isso é incompetência. Não dá resultado. Olha só o que eu apresentei: um protocolo de carteira de identidade, de 2012. Não quer dizer nada. Não tem nem foto”, diz Alejandro Ramos, administração de empresa.

Fora da periferia, os outros moradores da cidade também sofrem. Senão com os assassinatos, com outro tipo de crime: a extorsão.

Uma das milhares de vítimas dessa extorsão é um empresário que aceitou falar com o Fantastico, desde que não fosse identificado: “Começou em 2010, com um telefonema que recebi exigindo dinheiro: Somos da Mara MS. Precisamos de uma colaboração de 50 dólares semanais. E o que acontece se eu não der? Sua vida está em risco. Pra por minha vida em risco por 50 dólares, melhor pagar. Chamam de imposto de guerra. Mas há pessoas que têm empresas próximas à minha que pagam mil dólares por mês. Tem gente que é extorquida em 5 mil dólares de uma vez”.

Fantástico - E por que não pediu ajuda da polícia?

“Quando você está nesta posição de vítima de extorsão, desconfia de muita gente, até da polícia”, afirma o empresário.

Assim como no Brasil, as diretrizes das quadrilhas vêm de um lugar que, teoricamente, deveria ter um mínimo de contato com o mundo externo. Teoricamente.

O quartel general do crime de San Pedro Sula é na Penitenciária Nacional. Muitas das lideranças criminosas estão presas e mandam de dentro da cadeia as ordens paras quadrilhas que controlam a cidade. Lá dentro, os presos circulam à vontade. O presídio mais parece uma pequena vila, que tem comércio e lazer.

Mesmo com tanta liberdade, acontecem rebeliões. Como esta, em 2012, com 13 mortos. Só uma pessoa conseguiu acabar com a revolta: o Monsenhor Emiliani, que faz um trabalho social na cadeia.

“Quando entro ali, me entrego às mãos de Deus e vou. São 2.300 presos, uns 50 da MS e 200 são da 18. Eles ficam em pavilhões diferentes. Ali acontece de tudo, sai ordens para extorquir, sequestrar”, conta Monsenhor Rómulo Emiliani, bispo auxiliar.

Alguns postos de vigilância são ocupados não pelos guardas, mas pelos próprios presos. Na semana em que estivemos na cidade, em fevereiro, começaram a funcionar bloqueadores de celulares na cadeia.

Ordem do novo governo, do presidente Juan Orlando Hernandez. Os relatos são de que a tensão entre os presos aumentou.

“É um ódio terrível, terrível, entra as principais quadrilhas”, conta o Monsenhor.

Do lado de fora da penitenciária onde quase tudo é permitido, San Pedro Sula tem seus defensores. Gente que busca viver normalmente em uma cidade dividida por um caminho de trens.

A linha do trem é um dos símbolos da cidade. O que o povo diz é que da linha pra cima ficam os bairros são tranquilos, da linha pra baixo fica a barra pesada. Como é viver numa cidade dividida assim? A vida dos jovens, dos que fazem arte. Manuel é produtor musical. O "Daddy C" é rapper.

“Eu continuo saindo à a noite, dando minhas voltas e retorno tranquilo. Claro que com precauções. Não é tão difícil como se pensa”, diz Real Daddy C, cantor de rap.

“Existem problemas, como em todos os lugares. Mas aqui não é Cabul”. Afirma Manuel Lópes Moreno, produtor musical.

“Cresci com muitos amigos que foram paras gangues. Eu escolhei a música, eles escolheram as gangues e perderam a vida eu continuo fazendo rap”, conta Real Daddy C.

“Não acho que a situação de San Pedro seja diferente dos nossos vizinhos El Salvador, Guatemala e Honduras. Pra mim, a América Latina é um país bem grande, e nós somos parte desse país”, afirma Manuel Lópes.

E por falar em América Latina, encontramos brasileiros que moram aqui. Todos com histórias de violência. “Me assaltaram, levaram tudo o que puderam. Depois disso meus filhos compraram a porta essa, depois botaram, compraram câmara de televisão também”, conta Elair Schenkel de Lopez, que mora há 33 anos em Honduras.

“Eu já fui assaltada 5 vezes nos últimos 3 anos”, Yumisha Munhoz, médica veterinária.

“Como eu fui sequestrada, é isso que acontece: a gente trata de ficar mais unida, colocar eletricidade no muro”, conta Cristina Morais Aguiar, mora há 30 anos em Honduras.

“Não andar de transporte coletivo, não caminhar muito na rua, principalmente em determinadas horas”, diz Elair Schenkel de Lopez.

“A gente não sabe o que fazer realmente, se andar armado ou não andar armado. Mas a gente já andou. Atualmente eu não estou mais armada, mas o meu filho está”, conta Yumisha.

Pela lei hondurenha, cada cidadão pode ser dono de cinco armas. E elas estão por toda parte. Qualquer mercado, qualquer farmácia, qualquer restaurante tem um vigia com uma escopeta na cintura.

“O triste no caso é que no sul se produz a droga, no norte se consome, a gente está no meio”, explica Gustavo Bueso Madrid, médico.

Apesar de tudo, esse grupo, que também acompanha as notícias sobre crimes no Brasil, sente relativa segurança vivendo na cidade mais violenta do mundo.

“Eu me sinto segura aqui. Apesar de toda a situação de violência que a gente escuta”, Sandra Fernandes Araújo, mora há mais de 20 anos em Honduras.

“É que ela mora num residencial todo fechado”, conta Elair.

“Não dá pra caminhar na rua, andar de ônibus, mas no resto nós temos uma vida, uma vida muito boa viu? não se preocupem, a gente tá bem”, completa Elair.

Condomínios, armados ou simplesmente andando pelas ruas, os moradores de San Pedro Sula seguem suas vidas. A esperança é deixar se ser um símbolo da violência latino americana.

Fonte: Fantástico

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